Dando cumprimento às atividades do Plano Nacional de Cinema, pelo terceiro ano consecutivo implementado na EB D. Carlos I, no dia 21 de novembro de 2018, as duas salas do Jardim de Infância bem como todas as turmas do 9.º ano e Cursos de Educação e Formação da E.B. D. Carlos I, participaram no Lisbon & Sintra Film Festival.
Assim, para além da sua extensa programação, aberta ao público em geral, o LEFFEST organizou, do ensino pré-escolar ao ensino secundário, um conjunto de sessões especialmente dedicadas à comunidade no âmbito do projeto "Serviço Educativo".
Assumindo a sua importância e responsabilidade na formação e desenvolvimento do público infantil e juvenil, o festival pretende, através deste programa, proporcionar momentos de fruição, reflexão e discussão do cinema, estimular o gosto artístico e o pensamento crítico, encorajar a participação ativa da comunidade.
A proposta deste ano assentou na MAGIA DO CINEMA. Desde George Méliès, o pai do cinema fantástico e dos efeitos especiais, ao controverso e icónico Central do Brasil, com Walter Salles, passando pelas origens do cinema, com os Estúdios Bray, até se chegar à A Outra Margem de Luís Filipe Rocha.
Assim, no escurinho da sala principal do Centro Cultural Olga Cadaval, e numa sessão dedicada às curtas-metragens dos Estúdios Bray, os alunos do Jardim de Infância começaram por visionar “The Milkman” que tinha como protagonista Felix the Cat, a famosa personagem de desenho animado, criado na época dos filmes mudos. O seu corpo preto, os seus olhos brancos e a sua risada característica, combinados com o surrealismo das situações criadas nos desenhos, fizeram desta uma das personagens mais conhecidas do mundo.
A “ O Leiteiro” seguiu-se “Diplodocus” (1915), um plágio da famosa “dinossaura” Gertie de Winsor McCay.
A “ O Leiteiro” seguiu-se “Diplodocus” (1915), um plágio da famosa “dinossaura” Gertie de Winsor McCay.
Através da mediação artística de Catarina Claro, foi fácil para os nossos pequenos cinéfilos estabelecer algumas comparações entre este cinema com mais de cem anos e o cinema de animação atual, nomeadamente o facto de que neste cinema de barbas brancas, as imagens serem a preto e branco, as personagens não falarem, e por vezes se recorrer aos balões de fala e aos intertítulos. Uma outra diferença que facilmente assinalaram foi que em vez do habitual som cinematográfico e banda sonora, havia música a acompanhar. Facto que em nada demoveu as crianças do seu encantamento, já que marcavam o ritmo da música batendo palmas.
Com o visionamento de “The Farmerette” ou “A Menina da Quinta”, foi visível a surpresa das crianças quando constataram que aqui, graças ao som sincronizado, as personagens já falavam e cantavam.
“The Tantalising Fly” ou “A Mosca chata” de Max Fleischer, em que o palhaço Ko-Ko tenta apanhar uma mosca que o próprio ilustrador não consegue alcançar, arrancou sonoras gargalhadas às crianças, provando a intemporalidade do cinema dos estúdios Bray, nascido por volta de 1913, em Manhattan, Nova Iorque.
A verdade é que a história dos desenhos animados, como prática de entretenimento, remonta ao primeiro desenho animado de John Randolph Bray, “The Artist’s Dream”, lançado em junho de 1913. Foi com esta peça fundamental da história da indústria do entretenimento em Nova Iorque, em que são introduzidas filmagens na própria ação, que terminou esta experiência cinematográfica para os mais pequenos.
Na tarde do mesmo dia, foi a vez de os alunos do 9.º ano assistirem a A Outra Margem de Luís Filipe Rocha, numa sessão que contou com a presença do próprio realizador. De frisar que A Outra Margem foi apresentado no Festival de Montreal onde Filipe Duarte e Tomás Almeida foram distinguidos ex aequo com o prémio de melhor ator pelas suas comovedoras interpretações.
O filme retrata a história de Ricardo (Filipe Duarte), um travesti que perdeu o gosto pela vida depois da morte do namorado. É então confrontado com a alegria de viver de Vasco (Tomás Almeida), o seu sobrinho, um adolescente com Síndrome de Down, que conhece quando regressa à cidade natal que abandonou há anos.
Após o visionamento deste filme repleto de sensibilidade, os alunos tiveram a oportunidade de estabelecer uma conversa com o realizador, onde deu, em primeira mão, a sua visão da obra e respondeu às muitas questões que lhe foram colocadas.
Segundo Luís Filipe Rocha, Vasco é o único que cruza a ponte entre as duas margens nos dois sentidos. A margem é o sítio para onde remetemos aquilo que consideramos diferente, anormal. As causas fraturantes são, na sua opinião, uma aldrabice. As formas de pensar e estar no mundo não se alteram. Só a educação pode mudar mentalidades. Se olharmos para a realidade de hoje, voltámos a viver uma intolerância maior do que há doze anos, por exemplo. A superestrutura legal avançou, mas a capacidade de aceitar o outro, quando ele é diferente, mantém-se. O realizador, que se exilou no Brasil em 1973 e nunca pensou que a ditadura acabasse tão depressa, considerou que, interiormente, o ser humano não se alterou. Um grego de há 1700 anos não se alterou. Apaixonado pelo ser humano concreto, o mesmo acredita que só podemos mudar individualmente.
O realizador de filmes como A Passagem da Noite e Adeus, Pai, discorreu ainda sobre as artes narrativas como a literatura, o teatro e o cinema, dizendo que não se consegue viver sem contar histórias. Assumindo-se como um contador de histórias, confessou ainda que, frequentemente, tem a ideia de que há histórias que o escolhem para serem contadas.
A Outra Margem foi um destes casos que resultam dos acasos da vida. Perdeu um amigo – a quem dedica este filme - e viu-se obrigado a reconstruir a alegria de viver. O filme parte dessa dor. Também, por um acaso da vida, deparou-se com a banda portuguesa Os Corvos num dia em que foi a Telheiras ver um lançamento de um livro na Biblioteca Orlando Ribeiro. Num outro acaso, conheceu o Grupo de Teatro Crinabel. Em suma, coisas que andavam dispersas dentro de si, juntaram-se e culminaram na dedicatória do filme.
Luís Filipe Rocha adiantou que muitos dos seus filmes partem de coisas que não percebe e quer perceber, o que é um bom ponto de partida. As histórias vêm de não se sabe onde mas depois é preciso encontrar quem nos ajude a percebê-las. Também a estrutura dos seus filmes é circular. O Volkswagen poderia dar a curva e continuar a história.
O realizador terminou a sua intervenção com a sua interpretação pessoal desta história. Na sua visão da história, o regresso de Filipe acaba por confrontá-lo com um passado, do qual fugiu, e leva-o a conhecer o sobrinho. O sobrinho é a alegria, a capacidade de deixar luz por onde passa, e isso vai limpando a dor. Através do sobrinho consegue cumprir o desejo do namorado de ficar na planície Alentejana. E ao fazê-lo, reencontra a continuidade da vida.
O Vasco sempre sonhou com um pai. Quando conhece o tio, acaba por encontrar também um tutor para dar um passo decisivo: abandonar a ruralidade e entrar para um grupo de teatro como a Crinabel. O Vasco transforma a vida das pessoas por onde passa. Tem uma carga de luz e de energia que contagia até “cínicos como ele”.
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