“Da biologia à física, da química à biologia ou à matemática, as leituras e as experiências vão-se entrelaçando e colhem de espanto alunos e professores, atraindo grupos-turma à biblioteca”.
Decorreram nos dias 18 de janeiro – 9.º D – e 8 de fevereiro – 9.º F – de 2023, mais duas sessões do projeto “Newton Gostava de Ler” que tiveram como pano de fundo o “pH” das palavras.
A metodologia foi a já habitual neste projeto, partindo-se da leitura e exploração de um recurso literário, criam-se pontes para a realização de pequenas experiências científicas.
O autor escolhido foi, nada mais, nada menos, do que o incomparável walter hugo mãe. José Saramago descreveu o romance O Remorso de Baltazar Serapião como um verdadeiro tsunami no panorama literário português. Nela walter hugo mãe reescreve a língua Portuguesa, oblitera a pontuação, subverte todas as regras da narrativa.
A obra escolhida para esta sessão foi um pouco menos disruptiva mas igualmente bela, As Mais Belas Coisas do Mundo, um conto profundamente comovente sobre a força dos afetos e da memória dos avós. Dentro do abraço do avô, um menino procura encontrar respostas para os mistérios da vida. O avô, que tem ar de caçador de tesouros, revela-lhe o maior de todos para curar a tristeza e a despedida: o encanto!
Previamente à leitura desta obra carregada de poesia, os alunos escreveram frases poéticas sobre o que para si eram as coisas mais belas do mundo. A família, os amigos, os animais de estimação, o mar, o sol e a lua foram alguns dos denominadores comuns. Para alegria das Professoras que conduziam a sessão, houve até quem descrevesse os Professores como a mais bela coisa do mundo porque dedicam a sua vida aos alunos.
Segundo o narrador-personagem, as nuvens eram das coisas mais belas do mundo "porque aprenderam a livrar-se do que é desnecessário e não dão valor às coisas materiais. Navegam pelos ares só feitas de beleza."
O mar à noite também era para si uma das coisas mais belas do mundo "porque cintila discreto sob a escuridão". Outra das mais belas coisas do mundo era a lua "porque cria o amor de onde os adultos inventam a paixão, de ondem nascem os filhos e mais tarde os netos".
Qual não foi a sua surpresa quando "o avô quis saber se não haviam de ser a amizade, o amor, a honestidade e a generosidade, o ser-se fiel, educado, o ter-se respeito por cada pessoa".
Aludindo ao tema desta sessão, os alunos explicaram o que era o pH e chegaram à conclusão de que as palavras também poderiam ter pH, sendo que algumas eram apenas neutras, como “cadeira”, “mesa” ou “lápis”; outras eram mais ácidas, como as usadas nos insultos ou em “Guerra”, “Terramoto”, “Solidão”; e, por fim, outras mais doces como “Mãe”, “Amor”, “Esperança” ou “Flor”.
Já Alexandre O'Neill o dizia in 'No Reino da Dinamarca': “Há palavras que nos beijam / Como se tivessem boca”. E Eugénio de Andrade completava in 'Até Amanhã', dizendo que algumas nos ferem com punhais: "São como um cristal, as palavras./ Algumas, um punhal, um incêndio./ Outras, orvalho apenas.”
Neste lindíssimo conto, também as flores são descritas como sendo das mais belas coisas do mundo, perfumando generosas o seu lugar. As flores "comem os raios de sol, mais a água e os sais minerais que a terra contém. Comem os raios de sol com as suas bocas especiais.”.
E foi com flores, mais precisamente com rosas encarnadas, que se deu o pontapé de partida para a segunda parte deste encontro à volta da poesia e da química.
Após a observação do padrão básico de uma flor, os alunos apontaram um eixo caulinar de crescimento limitado, o recetáculo, que porta verticiclos divididos em: cálice (conjunto das sépalas), corola (conjunto das pétalas), androceu (conjunto dos estames – filete e antera) e gineceu ou pistilo (conjunto dos carpelos – ovário, estilete e estigma).
Seguidamente, cada um dos grupos analisou uma das lindas rosas que ornamentavam as mesas de trabalho com o objetivo de verificar se continham os principais constituintes da flor.
A terceira parte da atividade consistiu em conhecer o caráter ácido e básico de algumas substâncias que fazem parte do nosso dia-a-dia e como se dão as reações ácido-base.
As reações ácido-base revestem-se de extrema importância pela sua vasta gama de aplicações, como por exemplo: os ácidos produzidos pelos restos dos alimentos que se alojam nos dentes são eliminados recorrendo a pastas dentífricas que têm propriedades básicas; várias formulações farmacêuticas de antiácidos incluem as bases hidróxido de magnésio e hidróxido de alumínio para diminuir o excesso de acidez do estômago (azia); na agricultura, este conhecimento permite a correção do pH dos solos. Na Europa do Norte, por exemplo, as florestas são por vezes pulverizadas com cal para neutralizar a acidez do solo provocada pelas chuvas ácidas.
Desde o Séc XVII que se sabe que certos corantes vegetais mudam de cor consoante o pH das soluções. As substâncias cuja cor varia em função do pH designam-se por indicadores.
Assim, foi lançado aos nossos jovens cientistas um novo desafio: extrair das rosas um indicador natural de pH e testar o caráter ácido e básico de substâncias do dia-a-dia tais como o vinagre, o ácido bórico, o sal de cozinha, o bicarbonato de sódio e o amoníaco presente nos limpa-vidros.
No fim, a partir das observações experimentais, que registaram por escrito, cada grupo ordenou os produtos de acordo com a sua acidez, do mais ácido para o mais básico.
A atividade culminou com um desafio final: a partir dos resultados experimentais, determinar se a clorofila poderia funcionar como indicador de pH.
Foram duas sessões que provaram mais uma vez como aprender pode ser tão divertido e de como a literatura pode criar pontes para a ciência e vice-versa, revelando ainda, como diria o avô deste conto, como o encanto pode ser o maior dos tesouros.
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