terça-feira, 3 de janeiro de 2023

1.º LIVRO DOS CLUBES DE LEITURA DO 5.º ANO

Decorreram nos dias 6 de dezembro de 2022 e 3 de janeiro de 2023 as duas primeiras sessões do projeto Clube de Leitura nas Escolas (CLE) nas turmas do 5.º A e do 5.º E. 

Pelo terceiro ano consecutivo, a Biblioteca Escolar D. Carlos I aceitou o desafio lançado pelo Plano Nacional de Leitura de criar um espaço dedicado à partilha e socialização da leitura de um mesmo livro, onde professores e alunos possam questionar-se, pôr em comum as suas reflexões sobre os textos e debater os seus gostos acerca dos livros lidos. 

Dinamizar Clubes de Leitura é sempre uma forma de promover a leitura e de motivar para a leitura, com relação quer com a leitura orientada em sala de aula, quer com a leitura autónoma e partilhada, sejam estes realizados de forma presencial ou à distância. 

Como indica a ideia que subjaz ao projeto, a leitura não tem de ser obrigatoriamente uma atividade solitária. Através deste ponto de encontro e do debate das obras selecionadas, os alunos têm a possibilidade de melhorar as suas competências literácitas, partilhar experiências, desenvolver o sentido crítico, e sobretudo de se fazerem leitores! 

Considerando os gostos e interesses dos alunos do 5.º ano, a obra escolhida para as primeiras sessões foi O Meu Amigo Zeca Tum-Tum e os Outros de José Fanha. A história é contada do ponto de vista de José, um aluno do 5.º ano, e poderia passar-se numa qualquer escola do nosso país. 

Na turma do José há meninos de várias nacionalidades. Há a Maria Sarabandovitch, oriunda da Bielorússia, ou seja, era “Bielo meio Rússia, meio des-Rússia”; o Zeca Tum-Tum cujos pais eram de Cabo-Verde e passava a vida a “tumtuzar”, ou seja, a fazer Tum-Tum num tambor imaginário; o Pira-Pora, um dos meninos brasileiros cujo nome verdadeiro era Washington Petronilho Vademecum Azaraguá da Silva; o Tiago Ping-Pong que era chinês; e ainda um menino angolano e uma menina romena. Nesta amálgama de nacionalidades há ainda meninos de várias regiões do país: O Xico Cachola do Alentejo, o Zé Queijadas de Sintra; o Alberto Bê de Baca de Barcelos. Em comum tinham todos o facto de terem alcunhas descritivas das suas características. 

Graças a um valente encontrão que ia acabando em sarrafusca, estes alunos tão diferentes uns dos outros vão viver aventuras várias em que se confrontam com racismo e discriminação, acabando por, através de um saudável convívio em que as várias culturas a que pertencem se entrecruzam, aprender a viver numa sociedade com espaço para todos e onde é possível viver com igualdade e tolerância.

Ao desenvolver este tipo de relações interculturais, estes meninos do 2.º ciclo aprendem a ter respeito pela diversidade. E embora o aparecimento de conflitos seja inevitável e imprevisível, eles vão conseguir resolvê-los através do respeito e do diálogo. 

Mais do que um exemplo de multiculturalismo onde convivem diferentes culturas, línguas, religiões e costumes, este pequeno microcosmos funciona como um bom exemplo de interculturalidade em que várias culturas entram em interação de uma forma horizontal, sinérgica e onde nenhuma cultura está acima da outra. Há festas rijas em volta de cachupa de Cabo-Verde, chouriços de porco preto, sopa de ninho de andorinha e de barbatana de tubarão, feijoada à brasileira, queijadas e travesseiros de Sintra, filetes de polvo com arroz de tomate, tudo acompanhado ao som do violino de um país que em tempos pertenceu à antiga União Soviética. 

Assim, após um debate sobre as personagens e os principais acontecimentos da história, a segunda parte deste encontro aflorou o conceito de etnocentrismo e centrou-se em estabelecer a diferença entre multiculturalismo e interculturalidade. 

O multiculturalismo propõe a convivência num mesmo espaço social de culturas diferentes sob o princípio da tolerância e do respeito à diferença, mas não passa de um mosaico vertical, uma composição cultural sem verdadeira interação! O grande objetivo é o de crir um mundo intercultural onde se encoraja a interação de pessoas com vista a criar uma identidade coletiva que se baseia no pluralismo, nos direitos humanos, na igualdade entre homens e mulheres e não na discriminação. 

A ideia de uma educação multicultural desenvolveu-se a partir dos anos 60 com o movimento dos direitos civis acerca da justiça e igualdade para mulheres e pessoas de cor e tiveram como resultado a presença nas escolas de meninos e meninas de minorias, de grupos étnicos marginalizados. 

E foi precisamente a história dos movimentos dos direitos civis que deu o mote para a terceira parte desta sessão que se consubstanciou numa viagem através da história da segregação racial nos Estados Unidos, onde a separação de raças, principalmente para com os afro-americanos, foi imposta de forma legal ou por imposição social. 

Nesta terceira parte foram abordados temas como os das barreiras legais de discriminação racial; a existência de grupos de supremacia racial, como a Ku Klux Klan;  a violência usada para intimidar as comunidades negras presente nas canções e na poesia; as leis da antimiscigenação, o caso Rosa Parks; o movimento por direitos civis para negros no fim da década de 1950 e começo dos anos 60 e que graças a figuras proeminantes como Martin Luther King, Jr. ganharam notoriedade; a “Marcha sobre Washington”, até chegar à atualidade e a casos como os de Eric Garner em 2014 e George Floyd em 2016, culminando com o movimento “Black Lives Matter”. 

Os 90 minutos foram curtos para tanto que se disse e ficou por dizer. A sensação geral foi a de que é mesmo bom ler e depois partilhar leituras e opiniões. 

Acima de tudo homenageou-se o legado de tantos lutadores incansáveis pelos Direitos Humanos, reforçou-se a esperança de um dia vivermos numa sociedade igualitária onde não existe nenhum tipo de discriminação, e demonstrou-se como a leitura e o conhecimento nos podem fornecer importantes ferramentas para uma cidadania global.


"Strange Fruit" é uma canção cuja versão mais famosa é a de Billie Holiday. Condenando o racismo americano, especialmente o linchamento de afro-americanos que ocorreu principalmente no Sul dos Estados Unidos mas também aconteceu em outras regiões do país. "Strange Fruit" foi composta como um poema, escrito por Abel Meeropol (um professor judeu de colégio do Bronx), sobre o linchamento de dois homens de dois homens negros em Marion, Indiana, ocorrido em 7 de agosto de 1930. 

 Estranho Fruto

Árvores do sul produzem uma fruta estranha

Sangue nas folhas e sangue nas raízes

Corpos negros balançando na brisa do sul

Fruta estranha pendurada nos álamos


Cena pastoril do valente sul

Os olhos inchados e a boca torcida

Essência de magnólias, doce e fresca

Então o repentino cheiro de carne queimando


Aqui está a fruta para os corvos arrancarem

Para a chuva recolher, para o vento sugar

Para o sol apodrecer, para as árvores derrubarem

Aqui está a estranha e amarga colheita

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