Vinte e dois anos depois, a Biblioteca Escolar D.
Carlos I associa-se à iniciativa da Fundação José Saramago que procura que esta
Carta seja divulgada em vários idiomas e chegue ao máximo possível de pessoas
em todo o mundo.
https://www.josesaramago.org/discurso-de-jose-saramago-proferido-no-dia-10-de-dezembro-de-1998-em-estocolmo/
Acedam também a http://universalcharterofduties.org/ para ler o documento na íntegra e tornarem-se
apoiantes da iniciativa!
Este discurso foi pronunciado por José Saramago no Banquete Nobel, em 10 de Dezembro de 1998. Anos depois, graças à união de vontades de várias pessoas e instituições foi criada a Carta Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos, a partir das palavras de José Saramago em Estocolmo.
Majestades, Alteza Real, Senhoras e Senhores,
Cumpriram-se hoje exactamente cinquenta anos sobre a
assinatura da Declaração Universal de Direitos Humanos. Não têm faltado,
felizmente, comemorações à efeméride. Sabendo-se, porém, com que rapidez a
atenção se fatiga quando as circunstâncias lhe impõem que se aplique ao exame
de questões sérias, não é arriscado prever que o interesse público por esta
comece a diminuir a partir de amanhã. Claro que nada tenho contra actos
comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com algumas
palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o desaconselha,
permita-se-me que pronuncie aqui umas quantas palavras mais.
Como declaração de princípios que é, a Declaração
Universal de Direitos Humanos não cria obrigações legais aos Estados, salvo se
as respectivas Constituições estabelecem que os direitos fundamentais e as
liberdades nelas reconhecidos serão interpretados de acordo com a Declaração.
Todos sabemos, porém, que esse reconhecimento formal pode acabar por ser
desvirtuado ou mesmo denegado na acção política, na gestão económica e na realidade
social. A Declaração Universal é geralmente considerada pelos poderes
económicos e pelos poderes políticos, mesmo quando presumem de democráticos,
como um documento cuja importância não vai muito além do grau de boa
consciência que lhes proporcione.
Nestes cinquenta anos não parece que os Governos
tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que, moralmente, quando não
por força da lei, estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se no mundo, as
desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica
humanidade que é capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a
composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas
pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso próprio
semelhante.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a
cumpri-lo os Governos, seja porque não sabem, seja porque não podem, seja
porque não querem. Ou porque não lho permitem os que efectivamente governam, as
empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não
democrático, reduziu a uma casca sem conteúdo o que ainda restava de ideal de
democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Foi-nos
proposta uma Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso julgámos ter
tudo, sem repararmos que nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres
que lhes correspondem, o primeiro dos quais será exigir que esses direitos
sejam não só reconhecidos, mas também respeitados e satisfeitos. Não é de
esperar que os Governos façam nos próximos cinquenta anos o que não fizeram nestes
que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa.
Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicarmos os nossos
direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo
possa começar a tornar-se um pouco melhor.
Não estão
esquecidos os agradecimentos.
Em Frankfurt, onde estava
no dia 8 de outubro, as primeiras palavras que disse foram para agradecer
à Academia Sueca
a atribuição do Prémio Nobel de Literatura. Agradeci igualmente aos meus
editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos volto a agradecer. E
agora quero também agradecer aos escritores portugueses e de língua portuguesa,
aos do passado e aos de agora: é por eles que as nossas literaturas existem, eu
sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci
para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam, portanto.
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