quarta-feira, 30 de junho de 2021

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA NA BIBLIOTECA ESCOLAR D. CARLOS I

 


Todas as crianças e jovens têm potencial criativo, e, para que estes atinjam o seu desenvolvimento integral, é absolutamente necessário que a cultura e as artes integrem a sua educação. O desenvolvimento criativo e cultural deve pois constituir uma função básica da educação. Tal como referido pela Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias “A cultura é uma necessidade básica. Uma comunidade prospera por meio de sua herança cultural e morre sem ela.” 

Dois aspetos positivos para a educação artística e cultural em contexto de Biblioteca Escolar, e de acordo com o Roteiro para a Educação Artística da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2006), serão o desenvolvimento das capacidades individuais e a melhoria da qualidade da educação.

Assim sendo, encontra-se comprovado que a iniciação dos alunos nos processos artísticos, desde que aí se incorporem elementos da sua própria cultura, permite “cultivar em cada indivíduo o sentido de criatividade e iniciativa, uma imaginação fértil, inteligência emocional e uma “bússola” moral, capacidade de reflexão crítica, sentido de autonomia e liberdade de pensamento e ação”. 

A educação na arte e pela arte que frequentemente desenvolvemos nas nossas Bibliotecas Escolares, também de acordo com o previsto no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, estimula as capacidades cognitivas e emocionais e dota os alunos de uma flexibilidade e de um sentido crítico que melhor os prepara para o contexto da atual sociedade. De destacar a importância atribuída nesta educação, na arte e pela arte, aos elementos emocionais, tantas vezes preteridos no sistema educativo em função do desenvolvimento das capacidades cognitivas e conduzindo, como é sabido, para “o declínio do comportamento moral da sociedade moderna” (António Damásio). 

As atividades dinamizadas pela Biblioteca Escolar, ao promoverem um maior equilíbrio entre o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças e jovens, estão assim a contribuir, efetivamente, para o desenvolvimento de uma cultura da paz. 

Outra vantagem inequívoca será o papel crucial da Educação Artística na melhoria da qualidade da educação que como também sabemos, continua a ser baixa na maioria dos países do mundo. Segundo o Roteiro para a Educação Artística da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2006) é possível desenvolver uma educação de qualidade, definindo-se esta em três princípios: educação que é relevante para o educando mas também promove valores universais; educação que é equitativa em termos de acesso e saídas e garante a inclusão social em vez da exclusão; e educação que reflecte, e ajuda a satisfazer, direitos individuais.

O mesmo refere ainda, de acordo com o Quadro de Ação de Dacar, que a aprendizagem na arte e pela arte pode reforçar a aprendizagem ativa; um currículo localmente relevante que suscita o interesse e o entusiasmo dos educandos; o respeito e participação nas comunidades e culturas locais; e professores preparados e motivados, fatores críticos na implementação de uma educação de qualidade

A Biblioteca Escolar trabalha a arte e a cultura de forma integrada no currículo, a partir de atividades e projetos de qualidade, centrados na criança ou jovem, que promovem valores universais e ajudam a alcançar direitos individuais. Mas uma fragilidade que pode ocorrer, não só na Biblioteca Escolar como na escola em geral, é a abordagem da educação artística sem referência à cultura em que os alunos se inserem, contrariando a democratização do acesso à arte e ao património natural e cultural. 







A Biblioteca Escolar tem de continuar a desenvolver um esforço no sentido de evitar a tendência uniformizadora e massificadora da globalização e insistir na conservação do património local já que, infelizmente, “em muitos países estão continuamente a perder-se aspetos tangíveis e intangíveis das culturas porque não são valorizados no sistema educativo ou não estão a ser transmitidos às futuras gerações”. 

Em suma, com base numa ligação forte com as famílias e os parceiros locais - autarquia, empresas, bibliotecas e arquivos, centros de arte e cultura, academia e escolas, associações, as Bibliotecas Escolares deverão utilizar a arte e cultura locais como recursos de aprendizagem e inspiração para repensar o passado e desenhar novas ideias para o futuro.

Foi nesta asserção que, no âmbito do projeto CLE – Clubes de Leitura na Escola – e na sequência da exploração do livro A namorada Japonesa do meu Avô de José Fanha, onde se fazia referência aos haikus que a namorada Japonesa enviava pela internet ao avô da personagem principal, a Professora Bibliotecária da Biblioteca Escolar D. Carlos I encontrou o mote para dinamizar várias oficinas sobre esta forma de poesia tradicional japonesa, e assim, proporcionar o enriquecimento cultural e artístico dos alunos
De referir que algumas destas oficinas decorreram aquando do ensino à distância e portanto em modo online.







A primeira parte das oficinas consistiu na contextualização histórica e na apresentação da estrutura interna e externa desta expressão literária. 

O Haiku ou Haicai teve a sua origem no Japão no séc. XVII. No princípio era considerado como um jogo de palavras ou ideias mas só com Matsuo Basho (1644-1694) é que passou a ser considerado como literatura. Matsuo Basho, o poeta mais importante da história do Haiku, nasceu no seio de uma família modesta de guerreiros samurais na província de Mie, no Japão. Considerada poesia contemplativa, o Haiku valoriza a natureza, as cores, as estações do ano, os contrastes e as surpresas. O haiku desenvolveu-se num verso que é capaz de expressar sentimentos profundos pela natureza, incluindo os seres humanos, o que responde à ideia tradicional japonesa que defende que o homem faz parte do mundo natural e deverá viver em harmonia com esse mundo.

Em suma, o Haiku é um estilo poético que capta um momento na vida do poeta através de um verso muito breve e descritivo. O poema “congela” um instante no tempo, deixando espaço para a imaginação de quem o lê. Cada palavra funde-se perfeitamente na outra transportando o leitor para um reino poético.

No segundo momento destas oficinas os alunos puderam observar o modo de construção de um haiku através da análise de vários exemplos. 

O tradicional haicai japonês possui uma estrutura específica, ou seja, uma forma fixa composta de três versos (terceto) formados por 17 sílabas poéticas, ou seja, 17 sílabas distribuídas por três versos tradicionais de 5, 7 e 5 sílabas respetivamente. Assim, após a análise de haikus escritos por meninos e meninas de países como a Eslovénia, o Canadá, a Tailândia, ou o Brasil, foi proposto aos alunos que escrevessem o seu próprio haiku de acordo com as seguintes regras: referir uma estação do ano de forma indireta - tradicionalmente, o Haiku inclui referências às estações do ano designadas em japonês “kigo” ou expressões usadas no Haiku segundo as diferentes estações do ano -; refletir o mundo e o coração de quem escreve - ao ser tão breve, o leitor deve ser capaz de experimentar, nas três linhas concisas e repletas de imagens, o instante que capturou a mente do poeta; e captar um momento. 

Como referiu Basho, “O Haiku é tudo o que acontece neste momento, nesta época, neste lugar”.
Depois, tendo em conta a profundidade alcançada neste exercício, surgiu a ideia de montar uma exposição na galeria da escola sede com os produtos artísticos resultantes das oficinas e decorada com elementos nipónicos que estão presentes na cultura Portuguesa: origami, mikado, kamishibai, Manga, Bonsais, Judo, Sushi, etc. 




A implementação destas oficinas e desta exposição atingiram inúmeros objetivos relacionados com o desenvolvimento criativo e cultural dos alunos que como referido deve constituir uma função básica da educação.

A interpretação do haiku depende do leitor. Portanto, para entender o haiku o leitor deverá entender a cultura do país do poeta. Quando se está exposto a diferentes expressões e emoções, o haiku torna-se uma forma de comunicação comum entre pessoas de todo o mundo. Através da extraordinária beleza do haiku, e que advém da sua simplicidade, é possível promover o entendimento mútuo e tocar o outro, aquele que afinal não é assim tão diferente de mim. 

Os haikus servem para proporcionar informação a pessoas de outros países sobre os seus costumes. Ao lerem haikus oriundos de outros países, as crianças compreenderão melhor como é a vida numa determinada parte do mundo. 

Através da análise dos produtos resultantes destas oficinas com alunos portugueses é possível constatar a erosão de fronteiras mentais e uma verdadeira fusão de culturas.

 

[Do meu jardim vejo

umas estrelas ofuscantes.

Tudo em Sintra cintila.]                                MADALENA DE FIGUEIREDO BARRETO, 5.º E

 

 

[O calor traz-nos descanso.

Gosto tanto de ouvir as cigarras

nas longas tardes do Alentejo!]                          FRANCISCO FIGUEIREDO DE OLIVEIRA RAMALHO, 6.º A

 

[A Serra de Sintra

é tão quente que no verão

parece um fogão]                                          MIGUEL ALEXANDRE ANASTÁCIO CORAGEM, 5.º E

 

[Como é bom ver

flores brancas a crescer

na minha ameixoeira]                                                JOÃO FIALHO DE MATOS, 5.º E

 

[Amanhã volto à escola.

Vou estar com os meus amigos.

Já sonho com abraços e joguinhos!]                     VASCO MARQUES ERSE, 5.º E

 




Esta atividade procurou deste modo deixar emergir, no mundo das artes e da cultura, novos atores, de diferentes origens sociais e geográficas, e permitir-lhes reclamar o direito à sua voz no espaço público.

Os alunos assimilaram elementos de uma outra cultura e mobilizaram elementos do seu património cultural e da sua realidade quotidiana – período pandémico imediatamente antes do regresso ao ensino presencial – numa fusão cultural e artística que certamente contribuirá para a criação de uma sociedade global mais harmoniosa.

Este trabalho atingiu assim o objetivo de derrubar as fronteiras económicas, políticas, culturais e artísticas entre países e atingir objetivos comuns do século XXI tais como a promoção da paz e da tolerância.

A sustentabilidade social e do planeta exige beleza e criatividade, colaboração e experimentação e todos esses ingredientes se poderão encontrar na educação artística!


Professora Sandra Pratas e Sousa

Vejam aqui os magníficos trabalhos dos alunos das turmas participantes do 5.º B, 5.º E e 6.º E onde até as Professoras acompanhantes não deixaram de participar:


LIVRO DIGITAL HAIKUS E SAKURAS

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